sexta-feira, 22 de julho de 2011

Guenádi Aigui: a existência histórica do dia a dia

Por André Dick

Um dos principais poetas russos da modernidade, Guenádi Aigui foi traduzido por Boris Schnaiderman e Haroldo de Campos em Poesia russa moderna e volta a figurar, desta vez como nome principal, em Silêncio e clamor, editado na Coleção Signos, da editora Perspectiva. O livro apresenta traduções de Boris com Haroldo e outras de Jerusa Pires Ferreira, todas de grande qualidade (recomenda-se, nesse sentido, o livro Boris Schnaiderman, com entrevistas do tradutor, apresentado por Jerusa e publicado pela Azougue Editorial).


Há poemas de Aigui traduzidos apenas por Haroldo que só aparecem em Poesia russa moderna – ou seja, Silêncio e clamor pode ser visto como uma extensão daquele trabalho, resultando numa mostra de respeito do poeta em língua portuguesa. Trata-se de um trabalho apurado, selecionando também textos autobiográficos (como o excelente “Sobre mim mesmo sucintamente”) e entrevistas do poeta sobre Maiakóvski e René Char – duas de suas referências. Há, também, um texto que dialoga com “Considerações sobre o poeta dormindo”, de João Cabral, intitulado “Sono e poesia”, com referências intertextuais aos poetas Mandelstam, Maiakóvski e Khlébnikov, entre outros, uma espécie de teoria reflexiva e filosófica.
Nascido em Tchuchávia, república autônoma da URSS em 1934, e desaparecido em 2005, aos 71 anos, Guenádi Aigui, segundo Roman Jakobson, por exemplo, é um “poeta extraordinário de vanguarda”.


Schnaiderman apresenta o poeta na saborosa introdução “Aigui: entre a abstração e a história”. A língua materna de Aigui é o tchuvache; Boris conta que descobriu que os “tchuvaches eram um povo com pouco mais de um milhão e meio de habitantes, estabelecido na margem direita do Volga, e menos de um milhão em regiões vizinhas”, constituindo “a República Autônoma Tchuváchia, fundada em 1925, mas, evidentemente, os anos de stalinismo só lhes permitiram uma autonomia bem delimitada”. Eram “descendentes dos hunos, que se fixaram ali antes de investir contra o Ocidente europeu no século V”, sendo que “sua língua pertence ao grupo búlgaro do ramo humo-ocidental das línguas túrquicas, embora seja bem diferente da língua da Bulgária, que é um idioma eslavo”. Para Boris, “Em circunstâncias históricas bem difíceis, esse povo desenvolveu uma cultura muito rica, embora a sua escrita atual date somente dos anos de 1870”. Por sua vez, Jerusa Pires Ferreira complementa, afirmando que os “tchuvaches até o século XIX não se serviam de um alfabeto convencional, e tinham na oralidade e nos gestos o suporte maior de sua comunicação” e destacando que “O conceito de xamanismo, embora diretamente ligado a práticas que pertencem a populações siberianas, atingiu por extensão outros povos, mas é utilizada corretamente, e Guenádi, ele próprio, se dizia neto de um xamã”. “Tudo isso”, acrescenta Jerusa, “teria diretamente a ver com o desenvolvimento do jovem poeta, seu lugar de marginalidade, em relação às culturas centrais e ao poder centralizador, sua condição de pertencimento e de ligação com as experiências e as práticas de seus ancestrais, fortes e insistentes”. No início, o poeta escrevia em tchuvache, mas foi convencido, depois, pelos poetas e amigos Boris Pasternak e Nazim Hikmet a escrever em russo. No entanto, ficou no esquecimento por décadas, embora em 1958 tenha trabalhado no Instituto de Literatura Mundial Máximo Gorki, de Moscou, onde conheceu seu grande mestre, Mikhail Svietlóv.


Isso porque Aigui teve sua poesia – bastante influenciada por poetas russos e, me parece, por Paul Celan – atacada, durante um período, por ser “alienada” e “sem vínculos com a vida”, recorda Boris. O interessante é que seu retorno foi se dando em países vizinhos. Teve uma antologia de poemas editada em russo, mas na Alemanha, em 1975. Outro volume de poemas saiu na França em 1982. Como destaca Boris, o fato de o poeta, por exemplo, lhe fazer textos altamente poéticos, seja em verso ou prosa epistolar, mostrava a “tensão permanente” entre “a abstração, a linguagem que procurar expressar o cerne, o essencial do que acontece, o mais profundo da existência, e a necessidade de manter contato com o mundo, os acontecimentos imediatos, o dia a dia”. Desse modo, sintetiza Boris, “se a sua poesia está marcada pelo anseio de transcendência, o impulso inicial é dado quase sempre por um evento do cotidiano, o que se liga a todo um modo de conceber a historicidade”. Para Jerusa, Aigui “transita e exerce sua arte a partir de duas correntes que na Rússia se completavam a cada momento: tradição e vanguardas que vão se reunir num projeto revolucionário das artes do século XX”.


A seleção de traduções de Aigui é minuciosa e exata - mostrando o talento, como tradutores, de Boris Schnaiderman e Jerusa Pires Ferreira. A meu ver, o melhor poema da coletânea é “Verão com Prantl”, com imagens fragmentadas (que dialogam com poemas de René Char): “O rouxinol – escultor do ar”; “Página: crepúsculo sobre as bétulas”; “No pinheiro trabalhava cantando – um pica-pau” etc. O poema “O nosso” vai ao encontro de Maiakóvski: “e eu hei de amá-la com minhas mãos e meus lábios, / com o silêncio, o sono e as ruas dos meus versos”. Em “Silêncio”, mostra o ofício do poeta: “meu trabalho é árduo e existe para si mesmo / como no cemitério da cidade / a insônia do vigia”. No mesmo sentido, temos “Casímir Malévitch”: “e – erguem-se – campos – para o céu / de cada um – eis – um rumo / para cada – estrela / e bate a ponta do ferro dirigindo-a / sob uma aurora mendiga / e o círculo cumpriu-se: visto como do céu / um trabalho para se ver como do céu”.
Há poemas em prosa belíssimos (“Vista com árvores” e “Guache”), que também dialogam com a obra de Char, além de imagens agridoces colocadas em verso de uma maneira arquitetônica, como “O ruído das bétulas” e “Recordação” – neste, aliás, há uma influência claramente pictórica: “um cão através dos centeios / corre / como entre os gritos / de toda – repentina – a infância / em meio / ao sol que declina” –, assim como em “Página”: “e se introduz o ar solene do outono – o fulgir de órgão – / dos girassóis”, e “Na doença de um amigo”.


A interferência da polifonia cotidiana se manifesta em “Dois epílogos”, e a infância, presente em muitas imagens, como nas de “Recordação”, também é visível em “Na doença de um amigo”: “da neve nas antigas colinas e estradas / de falas-vestes da infância / do rosto dos animais e choro – ao lado – o um- / bral dos amigos: / vocês – meus queridos” e “Rosa do silêncio”: “aos arrancos a incipiente dor / (ou – às vezes possivelmente / dói – à criança / frágil desnudo-viva / qual impotência de pássaro”. Há uma espécie de incorporação de sentimento humano na paisagem: “e o rio contorna / dois povoados em sombra na distância – / / e a noite cai... – / / tão escondida como o coração”. Boris também relembra, na introdução, a aproximação de Aigui com a música, o que se nota não apenas na musicalidade dos versos – mesmo que não compareçam rimas –, mas na temática, como “Atítulo” e “Sobre a leitura em voz alta do poema ‘Atítulo’”. Além disso, há poemas-homenagem a Boris e a Jerusa, de alta qualidade, tornando Silêncio e clamor um livro imprescindível. Como escreve Guénadi Aigui, em “Sono e poesia”: “A Poesia não tem recuos e avanços. Ela – é, permanece”. Como, de fato, a sua permanece.

sábado, 9 de julho de 2011

Maiakóvski: a sirene das palavras contra os falsários

Por André Dick

Vladímir Maiakóvski é um dos representantes mais significativos da poesia russa e não por acaso foi traduzido por Augusto e Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman, num volume com seu nome, lançado pela Perspectiva. Neste livro, há poemas representativos desse poeta nascido em 1893, na aldeia de Bagdádi, nos arredores de Kutaíssi (hoje Maiakóvski), na Geórgia (os dados estão na antologia Poesia russa moderna, onde também há poemas dele, dos mesmos tradutores citados). Depois de perder o pai, que era guarda-florestal, a família do poeta ficou na miséria e foi para Moscou. Impressionado com as obras de cunho socialista desde cedo, ingressou ainda jovem na facção bolchevique do Partido Social-Democrático Operário Russo, dedicada aos interesses do operário do proletariado e dos camponeses.


Após estudar na Escola de Belas Artes – onde formou as ideias do cubo-futurismo com poetas como Khlébnikov –, de onde foi expulso, Maiakóvski peregrinou pela Rússia. Após a Revolução de Outubro, aderiu ao novo regime – que acabou cometendo barbáries, evidentes em qualquer regime. Durante a Guerra Civil, se dedicou a legendas e desenhos para cartazes de propaganda. Editou também a revista LEF (de Liévi Front, Frente de Esquerda), que reuniu os artistas de esquerda com a pretensão de revolucionar a sociedade. Fez, além disso, inúmeras viagens lendo seus ensaios para grandes plateias, além de ter viajado pela Europa Ocidental, pelo México e pelos Estados Unidos.
A obra de Maiakóvski é constituída por poemas que mesclam justamente o coloquial e o pretensamente erudito, fundindo tudo numa linguagem única, em que, ao mesmo tempo em que trabalha com imagens, lida com uma sonoridade apurada. Como escreve Krystyna Pomorska, em Formalismo e futurismo: “Maiakóvski foi conhecido antes de tudo como um poeta que ‘rebaixou’ a linguagem poética, dando-lhe uma forte infusão de coloquialismos e jargões citadinos”, introduzindo “o ritmo da marcha e dos tambores” e aplicando “suas experiências linguísticas ao contexto social”, o que faz com que “seus motivos mais pessoais” fossem “elevados a uma escala social e às vezes universal”. Ele sintetiza os caminhos adotados pela poesia russa moderna: uma mescla da linguagem coloquial com estruturas e rimas exatas (ver, para isso, o ensaio “Maiakóvski: evolução e unidade”, escrito por Boris Schnaiderman para o volume dedicado ao poeta).


O linguista Roman Jakobson, no ensaio que dedicou ao poeta e amigo, “A geração que esbanjou seus poetas” (que ganhou uma tradução da Cosac Naify, com ótima versão de Sonia Regina Martins Gonçalves, que assina também o posfácio), diz que é diretamente da vida cotidiana que o poeta tira a arquitetura para seu trabalho. Ele utiliza, por meio dessa linguagem, referências a movimentos e grupos, além de personalidades políticas. Como escreve Augusto de Campos, em Poesia da recusa, ele foi, sem dúvida, o “maior porta-voz, em poesia e vida, da relação conflitual entre poética e política, ética e estética” que consumiu “a geração que dissipou seus poetas”, à qual se refere Roman Jakobson no seu conhecido ensaio. Esta geração inclui Gumilióv (1886-1921), Blok (1890-1921), Khlébnikov (1855-1922), Iessiênin (1895-1925) e Maiakóvski, que se suicidou. Os poemas desse mostram um conflito constante entre vida e morte, como observa Jakobson. Mostram como ele estava condicionado pela visão do “suicídio” e, ao mesmo tempo, pela sua obsessão por não morrer. A decisão de Maiakóvski se deu após o isolamento que teve com a chegada ao poder de Stalin. Além disso, deveu-se ao resultado do sonho revolucionário decretado pela violência do regime bolchevique. Para o “poeta da linguística”, como Jakobson era visto pelos concretos, Maiakóvski aproximou a vida da obra – afastadas pelo formalismo russo, do qual Jakobson fazia parte. Para ele, Maiakóvski sabia que cada ação sua era parte de um projeto maior: o poético. Ele, assim, “compreendia perfeitamente a estreita ligação entre biografia e poesia”.


O poeta russo desejava a existência de uma nova maneira de se organizar a sociedade, mas como poeta e não político – por isso, era visto como revolucionário, mas não restrito – nem poderia – ao pensamento marxista (em “A plenos pulmões”, estão os versos, aqui com tradução de Haroldo de Campos): “Nós abríamos Marx / volume após volume, / janelas de nossa casa / abertas amplamente, / mas ainda sem ler / saberíamos o rumo! / onde combater, / de que lado, / em que frente”). Afirmava que o poeta deveria manter o nível de sua obra, seja qual fosse o público para o qual se dirigia, ou seja, ele dizia que o povo precisava ser educado para compreender uma arte mais difícil. A exemplo do que observa Haroldo de Campos, em “O texto como produção (Maiakóvski)” (de A operação do texto), “Sua participação no nível ideológico não era inconciliável com as exigências de uma criação artística de vanguarda e sempre se insurgiu – em poemas, peças teatrais e artigos críticos – contra os burocratas em geral [...]”. Em alguns momentos, teve sua poesia relativamente enfraquecida pelo discurso revolucionário. No entanto, lembra Augusto de Campos, no ensaio “Maiakóvski, 50 anos depois” (do volume Maiakóvski), o que salvou a poesia de Maiakóvski do “aniquilamento pelo discurso político” foi a “rebeldia selvagem de seu talento”.


Para o grande poeta Guénadi Aigui, numa entrevista publicada no fundamental Silêncio e clamor, “Maiakóvski tem um extraordinário senso de plástica verbal, de arquitetônica verbal. Pode-se até falar de seu genial pensamento plástico. E com isso os próprios sentimentos, a incandescência, sua belicosidade, se manifestam com tal gigantismo que lembram Shakespeare e Dostoiévski”, acrescentando que ele é “incomparavelmente maior que a sua época”, o que nos ajuda a entender por que Maiakóvski continua atual.
Não poderia apenas se basear em ideias para a circulação corrente, como Oswald, no modernismo de 22, queria, ao afirmar que o povo ainda experimentaria o biscoito fino que ele fabricava. Ou seja, como observa o crítico italiano Alfonso Berardinelli, em Da poesia à prosa, a poesia de Maiakóvski pretendia, por um lado, “irromper e sabotar a tradição lírica”, e, por outro, “olhar de frente um público e um destinatário novos: levar em conta sua situação, sua exigência de luta, seu ponto de vista específico, suas necessidades culturais”. Escrevia em “A plenos pulmões”: “Camarada vida, / vamos, / para diante, / galopemos / pelo quinquênio afora. / / Os versos / para mim / não deram rublos, / nem mobílias / de madeiras caras. / Uma camisa / lavada e clara, / e basta, — / para mim é tudo. / Ao / Comitê Central / do futuro / ofuscante, / sobre a malta / dos vates / velhacos e falsários / apresento / em lugar / do registro partidário / todos / os cem tomos / dos meus livros militantes”. Maiakóvski entendia dos “velhacos e falsários” como poucos, sobretudo aqueles que utilizam mobílias de madeiras caras e continuam colocando a ética – ou a falta de – à disposição do registro partidário, mas como se estivessem fora do sistema.


Jakobson afirma como Maiakóvski se construiu sobre uma dialética em que o futuro era imaginado, mas não confirmado – e, muito mais, evidenciava o imaginário ao seu redor. Quando de sua morte, Stalin afirmou que ele havia sido o maior poeta russo. Isso teria sido uma segunda morte para o poeta – acreditava-se que os livros de Maiakóvski estavam à venda; pelo contrário, suas ideias, realmente militantes, não estavam à venda para nenhum partido, nem a nenhuma voz pretensamente à frente das demais. Isso por mais que, como Berardinelli lembra, o poeta russo comparasse a poesia a uma indústria, “com processos produtivos e finalidades sociais (ele elabora a ideia de ‘mandato social’: em cada momento particular, depois de ter acumulado matéria-prima e obtido os meios de produção, o poeta deve identificar o problema social para cuja formulação e solução a obra de arte é necessária ou útil)”. É curiosa esta ideia porque o poeta moderno sabe que sua arte é, para a sociedade e para a economia, “inútil”. Saber que Maiakóvski tentou este caminho mostra que seus posicionamentos poéticos podem não ter tido sucesso no plano prático (tendo sido considerado alguém excessivamente hermético pela parcela da esquerda conservadora e pelo povo); no entanto, o valor poético reconsidera qualquer fracasso, e a ideia do poema como algo a ser construído – com uma estrutura a ser erguida, como na arquitetura – pode remeter ao brasileiro João Cabral. No plano prático, afinal, eram muitos contra o qual lutar (para Berardinelli, a “nova classe” revolucionária no poder, a pequena burguesia de empregados do Estado, os funcionários do partido e burocratas da economia). Depois das revoluções – ainda lembra Berardinelli –, Joseph Roth, em artigos enviados da Rússia para o Frankfurter Zeitung, escrevia: “O novo burguês é um burguês revolucionário [...] até mais revolucionário do que o operário” [Grifos do autor]. Por sua vez, a “mais-valia” maiakovskiana era sua poesia – e apenas esta “mais-valia” permanece.
Jakobson se pergunta, em seu ensaio: “O poeta que adianta e apressa o tempo, imagem constante em Maiakóvski, não seria a verdadeira imagem do próprio Maiakóvski?”. Para Jakobson, mesmo depois da morte, o “terrestre eterno” é o sonho do poeta – por meio das ideias, realizações, das canções além das palavras. Como no poema “A extraordinária aventura vivida por Vladímir Maiakóvski no verão na Datcha”, cujos versos finais resultaram na intradução de Augusto de Campos, “sol de maiakóvski”:


Daí a ligação tão vital entre poesia e revolução. A poesia não imagina, em Maiakóvski e nesses poetas, uma Revolução definitiva, mas, através de sua percepção, tem um pouco o intuito de transformar o cotidiano, sem estar presa a manifestos ou ideologias, mas às mudanças imperceptíveis das ideias. Maiakóvski acabaria não assassinando em nome de pretensos ideais, mas sim se matando com um tiro no peito – o que mostrava, de forma trágica, o desejo de não colocar mais sua vida à disposição de ideias subvertidas em prol de falsários que fingiam pregar o socialismo. Maiakóvski escreve em seu Poética: como fazer versos: “O suicídio, considerado fora de suas condições complexas sociais e psicológicas, e a sua negação imediata, não motivada (e como poderia ser de outro modo?), esmaga-nos pelo seu tom inautêntico”. Para muitos, era inautêntico que Maiakóvski desaparecesse assim – para Jakobson, esse desaparecimento já estava avisado, e mesmo estabelecido, por seus versos, ou seja, ali estava a autenticidade do poeta.
As reservas poéticas de Maiakóvski não se diferenciavam de reservas energéticas. Quando a força desapareceu, ele parece ter desejado se extinguir. Segundo Paulo Leminski, em “Central elétrica: projeto para texto em progresso”, “quando invocou a imagem da central elétrica para defender a validade do experimento radical (ele pensava em Khlébnikov), Maiakóvski, poeta inequivocadamente comprometido com as massas, defendia sua própria poesia da acusação de ‘incompreensível para as massas’”. Leminski lembra de um trecho do artigo “Operários e camponeses não compreendem o que você diz” (incluído em Poética: como fazer versos), em que Maiakóvski escreve: “Se um livro se destina apenas a uns tantos e para seu exclusivo consumo e se, além disso, não tem qualquer finalidade, é sem dúvida alguma inútil. [...] Mas se um livro se dirige a alguns – da mesma maneira que a energia do Volkstoi se transmite a umas tantas subestações que distribuem depois a energia transformada na corrente elétrica – é sem dúvida alguma útil”.


Extinta a energia, seu suicídio ocorreu, como lembra Haroldo de Campos, “menos de dois anos antes que se implantasse de modo absoluto, como dogma estatal, a doutrina do ‘realismo socialista’ em arte, que, sob Stalin, levou de roldão, em prol de um academismo crescente e intolerante, as reivindicações esteticamente revolucionárias dos artistas de vanguarda, inclusive daqueles – como Maiakóvski e seu grupo da revista LEF – alistados no ideário da Revolução de Outubro”. Hoje, Maiakóvski é uma referência poética e histórica – e os falsários que fingem pregar o socialismo, apenas uma repetição monótona da história que não seguem, a “medíocre mesnada de medianeiros médios”, como escreve o poeta em “Incompreensível para as massas” (na excelente tradução de Haroldo de Campos). Não por acaso, na quinta parte de “Fragmentos”, Maiakóvski afirma: “Sei o pulso das palavras a sirene das palavras”. Ele sabia – os que fingem saber apenas escutam, e esperam.